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A velhinha perigosamente frágil

Lá estava eu na fila da subprefeitura da Barra da Tijuca para requerer o cartão de estacionamento gratuito de idoso, no meu caso, idosa. Cristo, como isso soa estranho. Mas fui. Por que não tirar algum proveito desse mal necessário que é envelhecer? Envelhecer acho pesado, acumular anos de vida me parece mais exato. Sim, porque não me sinto nem me comporto como uma velha. Também não sei se concordo com a gratuidade do cartão, vou pensar. Mas uma vaga preferencial, com melhor acesso, aceito de bom grado. Então lá estava, eu e mais quase uma centenas de idosos e idosas. Duas filas, uma visivelmente muito mais comprida que a outra.

  • Por que? – perguntei à colega idosa no fim da fila mais curta.

Ela desconfiava que a outra fila fosse a preferencial. Ou seja, a muito mais comprida era a preferencial.

  • Mas preferencial pra quem? Não somos todos idosos? – fiz outras perguntas.

A explicação a seguir, também meio capenga, foi que as duas filas eram para o cartão de estacionamento e para recursos de multas de trânsito. Ah!… Ah, o quê? Ah, nada, porque nas duas filas havia pessoas idosas e nem tão idosas. Eu, por exemplo, nem tão idosa, fui na intenção de requerer o cartão e de entrar com um recurso contra uma multa de trânsito por avanço premeditado de sinal na madrugada desta cidade louca. Foi até bom saber que bastava uma fila para as duas burocracias. Quanto à idade, se a preferencial estava muitíssimo mais comprida, ficaria na outra, bem mais curta. O fato é que nenhuma das duas filas andava. Uma senhora declarou que havia chegado às oito e meia da manhã e eram duas e meia da tarde. Li a placa com o horário de atendimento: 09:00 às 16:00h. Fiquei preocupada. Pelos meus cálculos matemáticos, nem chegaríamos a entrar na sala de atendimento. Sem distribuição de senhas, às quatro da tarde veríamos a porta se fechar e babau. Então, a minha torcida foi para, pelo menos, conseguir entrar na sala de atendimento até as quatro da tarde. Lá dentro, bem podia ficar a noite toda, mas seria atendida.
Conversa vai, conversa vem – como se conversa em filas de idosos – a mulher de trás me disse que o marido, que estava na outra fila, havia entrado com recurso para multa de trânsito via internet. Eu tentei, mas entendi que era para imprimir o formulário e tomar conhecimento da documentação exigida. Já que eu estava com a papelada reunida, em mãos, e as filas serviam para os dois serviços, faria tudo presencialmente.
Conversa vai, conversa vem, uma senhora chegou usando a cadeira de rodas como apoio para andar; outra apareceu com duas muletas. Entraram direto com o consentimento tácito dos preferenciais e paralelos de fila. Já estava eu bem perto da meta, de adentrar a sala de atendimento antes da quatro da tarde, quando surgiu uma funcionária para ocupar um terceiro guichê. Alguém comentou que era a chefe. Formou-se uma confusão. Ela decidiu alternar o atendimento entre a fila preferencial e a outra, digamos, menos preferencial. Discordei em favor dos que estavam na fila mais comprida. E um idoso, justamente da fila mais cumprida, tentou iniciar uma discussão comigo. Recusei, alegando total falta de vontade de discutir. E bem que eu devia ter ficado na falta de vontade, mas não. Havia cinco ou seis pessoas na minha frente e resolvi sentir dó de uma senhora antes de mim. Cabelos bem branquinhas, aparência frágil, calculei oitenta ou mais anos. Sugeri que os da frente a deixassem passar. E todos concordaram. Pois a senhorinha entrou com dez, dez requerimentos!…

  • O quê? – perguntei à muito menos idosa à beira do balcão que cedeu o lugar de imediato.

Dez! A senhorinha colocou no balcão dez requerimentos!…

  • Cacete! – pensei.

A bem da verdade, gritei em pensamento um palavrão composto. A moça, que teria sido atendida se não tivesse cedido o lugar para a frágil velhinha, me olhou bem nos olhos.

  • Desculpa, como eu ia imaginar isso? – falei já prevendo a revolta das outras cinco pessoas que acompanharam a gentileza por mim sugerida.
  • Ela já é conhecida aqui… – a moça acrescentou que ouviu isso da atendente.
  • Despachante? – perguntei.
  • Sim. – a moça confirmou.

Outro palavrão cabeludo em pensamento.

  • Pensa que é um atraso da Providência. – tentei.
  • Um livramento? – a moça completou.
  • Isso. – concordei.

Na linguagem kardecista, livramento significa algo como deixar de estar na hora errada no lugar errado. E a velhinha se virou para mim e sussurrou:

  • É que o meu filho me pediu para vir…

AH, VAI SE DANAR, VELHA TRAMBIQUEIRA!!!… PENSEI!!!… Enfim, não houve revolução, saí ilesa da sugestão mal dada e fomos todos atendidos. Daqui a trinta dias devo pesquisar na internet os resultados dos requerimentos.

  • O cartão pego onde? – perguntei ao simpático atendente que se disse uma pessoa feliz no meio de tanta confusão por ter saúde e emprego.
  • Aqui mesmo. – ele respondeu.
  • Nesta fila? – outra pergunta.
  • Sim.

Outro palavrão cabeludo em pensamento, um sorriso falso e adeus. De volta ao carro, pensei que poderia ter pego o telefone da velhinha frágil. Talvez eu contratasse os serviços dela para pegar o cartão de estacionamento daqui a trinta dias. Ela vive lá! Está ganhando a graninha dela!…  Que se lixem os que estão atrás dos dez requerimentos.

 

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