Literatice Virtual

MEU QUERIDO ALFREY 4

Capítulo 4

Convoquei o porteiro do prédio para passear com Alfrey duas vezes por dia. Era um homem de pouca altura, mas tinha força. Esse dia chegaria e me aconselharam a adestrar o Alfrey. Eu precisava ter “voz de comando” já que não teria força. Cheguei a leva-lo, novinho, a uma canil de adestramento em Jacarepaguá. Não me lembro quanto tempo, mas os cachorros tinham que ficar no canil sem a visita dos donos. Deixei o Alfrinho lá com o meu coração estilhaçado. Assim que coloquei os pés em casa, telefonei para saber como ele estava. Uma mulher atendeu de má vontade.

– Ele comeu? – perguntei.

– Comeu… – a mulher respondeu num muxoxo.

– Ele tá bem?

– A senhora não vai ficar ligando pra cá a noite toda, vai? – a mulher se espinhou.

– Não. Vou buscar o meu cachorro aí agora!… Pode se preparar que não demora estou aí na porta.

– Não pode!.. O portão já foi fechado, só amanhã!…

– Agora!… Estou indo!…

– A senhora não vai entrar!…

– Não quero entrar, quero o meu cachorro na porta!…

Dei por encerrada a conversa com a mulher e telefonei para um grande amigo que morava em Jacarepaguá, o Glauco. Contei para ele que tinha mudado de ideia e queria o cachorro de volta.

– Então, vamos lá pegar o cachorro. – ele disse com muita tranquilidade.

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Era um amigo de muita paz e de muito bom humor, mas não corria de uma boa briga. Tinha uma Rural, uma camionete ainda poderosa na época. Chegamos juntos ao portão da casa e ele logo embicou a Rural. Pelo interfone me identifiquei e pedi o cachorro. Escutei tudo de novo: que o canil estava fechado, que voltasse amanhã…

– Quero o meu cachorro agora. – falei ao interfone. – Ou me dá o cachorro, ou derrubo o portão, não duvide.

Glauco pôs o motor da Rural para roncar no portão. Não se passaram três minutos e a mulher apareceu trazendo o Alfrey. O bichinho estava muito assustado.

– Me desculpa, meu amor. Desculpa. Vamos pra casa. Me desculpa… – agarrei meu bichinho que tremia e cheirava a xixi.

Um homem apareceu numa janela da casa e gritou:

– Vou ligar pro Boni!!! Você vai ver!…

Sim, o Boni era o todo poderoso da Globo. Era o meu chefe mais chefe. E aquela ameaça não fez qualquer sentido para mim. O que o Boni tinha a ver comigo e com o meu cachorro? Tem pessoas muito equivocadas, não tem? É claro que, se o homem foi se queixar ao Boni, nada chegou até mim. O Boni certamente tinha mais o que fazer. Coloquei Alfrinho no meu carro.

– Meu amigo, obrigada. – agradeci ao Glauco.

– Estamos aí. Precisou, diga.

Um grande e saudoso amigo. Um grande companheiro de trabalho também.

E assim ficou definitivamente resolvida a questão do adestramento. Alfrey NÃO seria adestrado, mas as poucas horas no canil deixaram sequelas. Aquela noite foi penosa no apartamento. Alfrinho ficou assustado por muito tempo, não se acalmava. Pedi desculpas inúmeras vezes, fiquei abraçada nele, fiz carinho e o bicho tremendo. No dia seguinte, Alfrey continuava arredio. Se bem me lembro, o bichinho ficou esquisito por uns três ou quatro dias. Ele era menor que na foto a seguir quando ainda estava encorpando.

Scanner_20160327 (31)  Alfrey com Xandi

Vez e outra, essencialmente nas folgas do porteiro, íamos de carro, tarde da noite ou mesmo de madrugada, para a praia de São Conrado, perto do Vidigal. Ainda não era tão perigoso quanto hoje e, com Alfrey como companhia e companheiro, era raríssimo alguém chegar perto. Quando chegava, a exclamação era a mesma:

– Caralho!… É um cachorro ou um cavalo?…

E a resposta também era igual.

– Chega mais perto, se morder é um cachorro, se der coice é um cavalo…

Alfrey crescia e o apartamento parecia ficar menor. Ele e os gatos viviam na mais perfeita harmonia. Por serem bem menores, Xandi e Nando tinham toda a liberdade de deitar na minha cama. Alfrey ficava com um olhar comprido… Uma vez e outra, eu deixava.

– Vem… – chamava.

E ele subia na cama todo feliz. Não estou na foto a seguir porque alguém tinha que tirar a fotografia.

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Alfrey com Nando e Xandi embolados                     Alfrey e Xandi

Uma noite resolvi ir para a praia dirigindo um Jeep Willys ano 1958 que tive a imbecil ideia de comprar. Cismei com o carro e comprei para diversão. Mas eu não dava conta do carro, especialmente na descida do morro. O freio era duríssimo. Cada vez que me atrevia a sair com o Jeep era tensão pura. Para frear eu tinha que ficar de pé, colocar meu peso no pedal do freio. Alfrey ia atrás muito bem acomodado, com o carão para fora, arfando no meu ouvido. Nessa noite, um policial fez sinal para eu parar. Era uma blitz na Niemeyer, uma avenida que beira o marzão do bairro do Leblon ao bairro de São Conrado. Por ser de noite, preferi sair com a capota do Jeep fechada. Pobre policial, levou um dos maiores sustos da vida dele. Chegou perto do carro para me pedir os documentos ao mesmo tempo em que o Alfrey pôs a cara bem para fora e se apresentou com o latido alto, curto e grosso. O policial deu logo vários passos para trás.

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– Pode ir… – o policial murmurou.

Nunca disse ao Alfrey o que fazer. “Pega!…”, “Não pega!…”. Ele demonstrava ter um bom senso mais calibrado que eu. Sabia quando devia se manifestar e quando devia ficar quieto, embora de olho em mim sempre. Um tapa mais forte no meu ombro, ainda que fosse de brincadeira, era um latido de advertência. Não precisava o segundo para a pessoa recolher o exagero de carinho. Meu cachorrão sabia muito bem a hora de fechar a cara e a hora de ser o mais gentil e carinhoso dos bichos. As fotos a seguir, do meu sobrinho com o Alfrey, foram tiradas pela minha irmã. Confesso que fiquei tensa, em especial a do menino botando a mão na boca do bichão.

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– Você é corajosa… – sussurrei.

Bicho é bicho. As pessoas conhecem o certo e o errado, se agridem e se matam, por que os bichos têm que servir como exemplo de civilidade? Mas o pior é que, cada vez mais, os animais têm mostrado aos humanos como é conviver muito bem com as diferenças. Mas há que se tomar cuidado.

Bastava um latido, alto, curto e grosso, do Alfrey para ficarmos isolados de todos. Sim, eu já catava o cocô se ele fazia. Nunca precisei de leis para me educar. Na praia, ele se divertia a correr atrás das maria-farinhas à beira da água. Trazia-me pedaços de casca de coco. Eu jogava a casca longe e ele ia buscar feliz. No fim, ficávamos os dois por algum tempo sentados num dos bancos do calçadão da praia. Eu me sentava no banco e o Alfrey se sentava no meu colo. Eis uma foto tirada de dia, da contracapa do livro Desculpem a Nossa Falha ( de minha autoria ) .

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Uma noite, enquanto estávamos sentados no banco do calçadão, avistei um homem a correr na nossa direção. Estava fazendo exercício. O homem se aproximava e eu puxava pela cabeça a tentar descobrir de onde o conhecia. O homem se aproximou, se aproximou mais, até que olhou para nós, disse “olá”, deu meia volta e lá se foi correndo no mesmo ritmo.

– O Senna…

Sim, o Ayrton Senna. Quando eu ia imaginar que encontraria o Senna? Era e continuo sendo Senista de carteirinha. Quando eu ia imaginar que encontraria o Senna no calçadão da praia tarde da noite?… Pois devia, porque sou jornalista e acompanho doentiamente a Fórmula 1. Eu sabia que os pilotos se hospedavam num hotel em São Conrado na etapa do GP do Brasil quando era no falecido ( em coma ) autódromo de Jacarepaguá depois batizado de Nelson Piquet.

– O Senna, Alfrey… Ele disse “olá”…

Conforme estava assapado no meu colo, Alfrey ficou. Tinha essa mania com os de casa. A gente se sentava e ele vinha com o bundão para se acomodar no colo. Podíamos fazer a força que fosse e empurrar que ele não saía; só saía com muita conversa.

– Vai buscar o ursinho… Vai buscar a bola… A bola… O osso… – eram algumas das artimanhas para convencê-lo a levantar.

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Alfrey no colo de mamãe

Alfrey tinha um monte de brinquedos e sabia muito bem qual era o ursinho, a bola, o osso… Ia buscar e trazia certinho. Aí, eram elogios e mais elogios.

– Bonito, Alfrey!… Bonito!…

Que saudade tenho do meu querido Alfrey. Quantas vezes me deitei no peito dele. Ele ficava quietinho para não interromper o momento; colocava uma das patas em cima de mim e eu me sentia acarinhada e protegida. Ouvi alguém dizer ou liem algum lugar que “a saudade é o amor que fica”. É isso. Não sou de ver espíritos e peço a Deus para não ver ou corro, mas, não raro, sinto como se ele estivesse subindo na cama como fazia quando eu liberava geral. A cama treme igualzinho. Estou agora com o Ronnie e o Nuno na cama, o Alfrey caberia aqui conosco tranquilamente. E o Nando, o Xandi…  Ele adoraria morar nesta casa com espaço para correr atrás dos gatos que nos visitam, dos gambás e das lagartixas. Ele gostaria dos banhos de mangueira…

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Alfrey ensaboado

 

E tenho certeza que, com a escada que bolei para que minha mãe pudesse entrar na piscina, e para mim daqui a uns anos, Alfrey tomaria uns banhinhos bem independentes.

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escada da piscina para a velhice

Todas as noites, incluo meus bichinhos que partiram nas minhas orações. Ao pedir a Deus por eles, a imagem que me vem logo à mente é a do Alfrey que partiu com pouco mais de sete anos de idade. Os dog alemães ficam muito grandes e pesados, a tendência é terem problemas nas articulações, principalmente na anca. Alfrey gemia de dor ao deitar e levantar, tomava remédio e fazia acupuntura com um veterinário especialista em cavalos. Uma noite, não conseguiu mais mexer as patas traseiras. Caramba, estou em prantos. Frequentemente, Alfrey está nos meus sonhos. Agora nos conhecemos bem. Não é mais um cachorro cinza que nunca vi. É o meu querido Alfrey, com quem tive a sorte e a honra de conviver, de trocar amor e que faz a minha história de vida ter muito mais graça.

 

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Te amo meu Alfrinho

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