RivoNews

O mistério do portão amassado

A sensação inicial foi a de que estou mais perturbada do que imagino estar. O portão da garagem estava mesmo torto ou eu estava vendo coisas? Na hipótese de eu não estar vendo coisas, por que o portão estava torto? Ainda em dúvida sobre a minha sanidade mental, acionei o controle remoto. O portão, nem tchum… Bom, não só o portão estava torto como não funcionava. Algo aconteceu, mas o quê? Como? Quando? De prático e lúcido, eu precisava abrir o portão para sair com o carro. Chamei um dos funcionários do condomínio.

  • Por favor, me ajuda a arrastar o portão? Não sei o que aconteceu, está todo fora do trilho… não abre.
  • Deve ter sido o vento…
  • Um tufão? Passou um tufão por aqui e eu não percebi? Não…
  • Então…
  • É o que estou me perguntando, mas preciso sair agora. Vou pedir na portaria as imagens das câmeras pra descobrir o que aconteceu com este portão.

Agradeci a ajuda e, ainda olhando desconfiada para o misterioso, liguei para o profissional que instalou o portão.

  • Não sei o que aconteceu. – disse sinceramente. – Só sei que não restou um parafuso nas colunas laterais, o portão está todo fora do trilho. A roldana do motor roda, mas os dentes estão muito longe pra coisa funcionar. O portão esfarela?
  • Meus portões não esfarelam! – o profissional reagiu, ficou mordido. – Procura saber o que aconteceu aí. Alguém bateu no portão?
  • Como assim? Um carro? Como um carro pode ter batido no portão?
  • Um carro, alguém…
  • Será?
  • Me manda um vídeo…

Segue o vídeo que enviei. Em seguida, segue a história.

  • Ah, Fernanda, alguém quebrou esse portão… – foi a avaliação do profissional.

Enfim, ficou combinada a visita na segunda-feira, de tarde. Essas coisas acontecem ou a gente percebe num final de sábado ou num domingo. Deixei a garagem escancarada e lá fui fazer o que havia programado antes da surpresa. Parei na portaria e mostrei no painel das câmeras a que grava a rua do meu misterioso portão. O funcionário me prometeu as imagens para segunda-feira. Para ser exata, eu esperava que ele me mostrasse as imagens imediatamente, pra desvendar logo o mistério, mas aceitei o adiamento com tranquilidade. Aliás, tenho aceitado muito de quase tudo com tranquilidade. Ultimamente, tenho aceitado muito de quase tudo um dia após o outro com regularidade. Então, fui cuidar da vida. Já era noite quando voltei e lembrei do mistério do portão ao avistar a garagem aberta. Nem bem tinha saído do carro, uma moça da casa em frente apareceu gritando meu nome.

  • Fernanda! Fernanda! Fernanda!…

Ela chegou excitada.

  • Finalmente encontrei você!… Fulano ( vou omitir o nome que é melhor e não faz falta ) tentou falar com você, te chamou, tocou o sino!… Ele bateu no teu portão com o carro! nervoso, acabou de telefonar pra saber se eu falei com você…
  • Ele bateu no portão? Com o carro?
  • Foi. Ele não  acostumado com o carro da mulher dele, que é automático, deixou o carro ligado, foi buscar alguma coisa em casa, quando voltou, cadê o carro? Tava aqui, agarrado no seu portão!… Ele tentou falar com você várias vezes, mas eu disse que você trabalha de noite e acorda tarde…

Como assim “trabalha de noite e acorda tarde”? Uma muito bem sucedida negociante com empresários japoneses ou uma prostituta?… Acordo tarde, é verdade. Tanto me vale fazer o que preciso fazer mais cedo ou mais tarde. “Trabalho de noite, até tarde” é o que muito raramente digo se me procuram no raiar do sol e não atendo. Escrevo de madrugada, como agora. Na verdade, nem considero o que faço um trabalho, mas soa melhor “acordar tarde porque se trabalha até tarde”. Mas, daí a criatura, que nunca vi mais gorda, mais magra, mais baixa, mais alta, nem menos esbaforida afirmar, com tamanha convicção, que “trabalho de noite”…. Enfim, o Fulano não me achou e voltaria a me procurar no dia seguinte, ou seja, no domingo de manhã.

  • Não precisa! Diga a ele que não precisa!… Você já falou comigo. tudo certo. O cara do portão vem na segunda pra ver e avaliar o estrago.
  • Ele vai pagar, viu?
  • Sim, vai.
  • Ele deixou recado pra você na portaria, pra avisar que foi ele que quebrou o portão…

Que ótimo! Eu na portaria pedindo as imagens gravadas “porque alguma coisa tinha acontecido com o portão da garagem” e o paspalhinho solícito e simpático nada me disse. Telefonei para a portaria para pedir o cancelamento das imagens.

  • Fulano deixou recado, pra mim, aí na portaria, que tinha batido com o carro no portão!
  • Não passaram pra gente não. Vou ver no livro.

Tem que ler as anotações do livro quando começa o serviço do dia ou da noite, mas, deixa para lá que o assunto rendeu demais. Eu só queria entender o mistério do portão torto. Entendi. Enviei uma mensagem para o profissional do portão, Contei que tinha sido mesmo um carro. E acrescentei: Pois é, “homem no volante, perigo constante”. Horas depois me peguei rindo ao imaginar a cara do Fulano a procurar o carro. Pois é, carro automático: engatou a ré, o carro vai para trás; se não acelerar, vai devagar e sempre, até o portão mais próximo.

No dia seguinte, a esposa me pegou entrando em casa.

  • Fernanda!…

É, Fernanda sou eu.

  • Desculpa, ?! Nossa, Fulano ficou nervoso! Ainda bem que não fui eu ou eu ia escutar isso pro resto da vida, todos os dias.
  • Ah, é.

Na segunda-feira, o profissional deu um jeito até trocar as peças amassadas uma semana depois. Já que aconteceu, melhor ter sido com vizinhos educados. Antes de dormir, um quartinho do tarja preta.

Deixe sua opinião!