Literatice Virtual

A história de Nuno – capítulo IV

Capítulo IV

Estava eu insistindo com o veterinário para trocarmos o nome Micas já que havíamos descoberto ser um macho.

– Não vamos trocar nada! – esquentou-se novamente o veterinário. – Está tudo preenchido. Micas pode ser pra homem e pra mulher, assim como… José.

– Ah, não! – reagi. – Não pode! E José era o nome do meu pai, vamos devagar com esse andor…

Refletindo depois, percebi que o veterinário estava com a razão no José. Tem muitas Maria José, vulgo Zezé. Micas, não!…

– Não mudo mais nada. E não tenho outra caderneta aqui pra preencher. Fica assim. Leve a Micas e boa sorte na viagem. Não se esqueça que precisa ir ao Porto para pegar o certificado de saúde. – finalizou o veterinário.

Aceitei. Paguei pelas vacinas, pelo chip e deixei mais alguns euros pelo tempo estendido da consulta e os telefonemas. E voltei com o gato para casa. Mas Micas não podia ser.

– Ó prima, incomodas-te de eu chamar o gato de Nuno? – perguntei.

– Ah, quer chamar o gato de Nuno?

Minha prima tem uma penca de filhos, um deles se chama Nuno.

– Gosto de Nuno. Bem, vou perguntar ao Nuno se ele se importa. -eu mesma encerrei a questão com a prima.

Perguntei. O Nuno, animal racional, achou graça e liberou o uso do nome. Então, a Ronilda, que virou Micas, passou a se chamar Nuno Esteves. E os dias se passaram e nada de dono ou dona.

– Esse gato apareceu por aqui bem no dia em que você chegou. – disse-me a prima.

– Claro. – pensei. – Nem um dia antes, nem um dia depois. Bem no dia da minha chegada.

Ainda apelei a um rapaz muito simpático para cuidar do Nuno. Estava vacinado, arrumadinho e eu deixaria euros para a ração. O rapaz concordou e o levou para casa, três quilômetros de distância. No dia seguinte, lá estava o Nuno de volta na porta lá de casa.

– Chico, Chico… Vai ser uma trabalheira… E é um macho!… O Ronnie vai aceitar? Não quero levar problemas para o Roninho. Continuo aguardando instruções.

Fui à cidade do Porto para o tal certificado de saúde. Uma saga. Combinei com um primo, outro filho da prima, que mora no Porto, de nos encontrarmos na entrada da cidade e ele me guiar até o Ministério da Saúde. Ou seria Ministério da Agricultura? Ou seria Ministério da Agricultura e Saúde? Enfim, rodamos um bocado pela cidade. Meu primo também não conhecia a área e ficamos os dois perdidos por algum tempo com o Nuno dentro do carro, paciente na caixa de transporte que comprei. Pois é, eu tinha que levar o gato para mostrar que o animal era saudável. Na verdade, sei lá para quê. Só sei que tinha que levar o gato. Por fim, encontramos o tal Ministério ou algo semelhante. Havia chovido e ventado muito.

– Estamos sem energia elétrica para os computadores. – me disse um homem grande, pançudo, de fartas bochechas e muita simpatia.

– Chico, Chico… É um sinal? Os computadores não funcionam. Ainda é tempo. Levo ou não levo? – conversei com São Francisco em pensamento.

– Mas não há mal. Escrevo tudo à mão. É um belo gato!… – disse o homem passando a mão no dorso do Nuno.

O Nuno já não estava tão magrinho. Comprido era. Um gato grande. Mansinho que só vendo.

– Pronto. Tem que pagar uma taxa e está feito. – o homem me entregou o papel preenchido.

Paguei a taxa e voltamos para a aldeia.

– Então vai mesmo levar o gato? – minha prima ria.

– Pelo jeito… Não posso deixar o bichinho abandonado.

– Abandonado não fica, porque nos dias em que o deixou fora de casa ele dormiu na minha garagem. Comida posso lhe dar.

– Chico, Chico… O que eu faço? – roguei em pensamento mais uma vez.

Com São Francisco caladinho, apelei para a intuição de mãe, essa não falha. Decidi contar a ela, no próximo telefonema para o Brasil, que estava pensando em levar um gato.

– É? – essa foi a reação da minha mãe. E riu.

Eu esperava algo como “Estás maluca?”, “Tem juízo!”… mas minha mãe só faltou dizer “Trás mesmo!”. E chegou a véspera da partida para Lisboa.

– O gato sempre vai? – minha prima perguntou rindo.

– Vai. Olha que eu cansei de conversar com São Francisco. Ele, “nem sim, nem sopas”, como vocês dizem aqui. Vai ser uma maluquice em Lisboa.

– E então?

– E então que o hotel não permite animais, por exemplo. Os hotéis estão lotados, tenho reserva nesse que não aceita bichos.

– E o que vai fazer?

– Vou entrar com o Nuno escondido.

– Ó Senhor…

 

Deixe sua opinião!