A história de Nuno – capítulo III
capítulo III
Decidi que precisava tomar providências. Não se leva um bicho para outro país “com uma conversa e duas cantigas”, como dizia mamãe. Eu tinha muito a fazer na terrinha, mas também iniciei meus apelos a São Francisco de Assis.
– Chico, temos um problema. Levo a Ronilda para o Brasil ou não? Você sabe o trabalho que vai dar? E se aparecer o dono ou a dona depois? Vamos fazer assim: vou tocando a parte das vacinas porque isso demora. Você, por favor, procura o dono ou a dona. E vamos ver no que dá. Aguardo instruções.
Fui tocando as questões burocráticas em relação à venda da casa e do café.
Frente da casa e o café à direita
Encontrava Ronilda à minha espera nas voltas para casa. Preparei-me para a companhia de uma gatinha. Comprei mais ração e a bandeja com areia sanitária para o xixi e a caquinha. Rondilda passou a dormir lá em casa. Uma gracinha. Comportadíssima e … carinhosa. E a saudade do Ronnie. Será que o Ronnie aceitaria uma companheira a esta altura? Mas era uma fêmea, os machos respeitam as fêmeas.
Levei Ronilda ao veterinário na cidade mais próxima. Contei ao doutor que pretendia leva-la para o Brasil, caso não parecesse o dono, e gostaria de cumprir toda a burocracia para eliminar o risco da bichinha ficar de quarentena em território brasileiro. O veterinário foi todo simpatia até perceber a extensão da burocracia. Deu vários telefonemas a pesquisar o que devia fazer.
– Sabe que estamos aqui há muito tempo nisso? Sabe quantas consultas eu já teria dado? – o doutor começou a se esquentar.
– Não vejo nenhum outro bicho aqui pra consulta. – olhei em volta. – Pago todos os horários que estou ocupando.
– Não se trata disso. – o doutor esfriou.
– Então vamos adiante, doutor.
Mais alguns telefonemas e o veterinário pegou uma espécie de passaporte da União Européia para animais.
– Nome? – ele perguntou.
Ronilda me ocorreu porque a gatinha se parece com o Ronnie. Onde o Ronnie é amarelo, ela é branca; onde ele é branco, ela é amarela. Mas, um nome, para sempre, eu precisava pensar. Um nome português. Escolhi Micas.
– Micas Esteves. – disse.
O veterinário preencheu o passaporte e partimos para as vacinas e o chip de identificação.
– Que idade acha que a gata tem?
E essa! Ele que é veterinário vem me perguntar a idade da gata?… Lá sabia eu a idade da gata?!…
– O senhor não pode calcular? Pela aparência, o pelo, os dentes? – devolvi a pergunta.
– Ah, não sei.
– Ela me parece muito nova, é muito brincalhona. Talvez uns três anos? – arrisquei.
Podia ter dito três, como quatro ou vinte, o veterinário colocou na caderneta idade que eu chutei.
– Vou dar uma anestesia leve porque o chip causa algum desconforto no animal. E não quero ser arranhado. O pior dos gatos são os arranhões.
Concordei. Colocamos a Micas na mesa metálica do consultório e o veterinário aplicou a anestesia. Micas, a ex-Ronilda, dormiu rápido.
– Olhe que isto não é uma gata! É um gato!… – o doutor me mostrou as partes íntimas. – É um gato castrado!
Castrado? Então certamente tinha dono. Mas onde estava o dono? Como disse minha prima, muita gente abandonou os bichos com a crise.
– Chico, Chico… – pensei. – Continuo esperando as instruções. Você tá vendo que é um gato castrado? Alguém levou pra castrar. Esse gato tem dono, Chico? O que vamos fazer? Ainda dá tempo. As vacinas e o chip não vão fazer mal, mas se ele tiver um dono ou uma dona? Ele, Chico! É macho!…
Foi aí que me lembrei do nome Micas. Não podia. Micas é nome de mulher!…