Animais

Obrigada, meu Nuno

Foram apenas quatro anos de convivência desde aquela tarde em que eu estava numa das mesas do café da aldeia de Ortigosa, em Portugal. Você apareceu magrinho, visivelmente perdido, talvez com dois anos de vida ou um pouco menos, e roçou nas minhas pernas me pedindo ajuda. Continuo sem saber a sua história antes do “nós”. Alguém abandonou você? Numa das suas manias de entrar na casa das pessoas e em carros algo deu errado e você não encontrou o caminho de volta?… Não sei, são as minhas suposições. Como você gostava de seres humanos. Alguém que você nunca tinha visto nem cheirado antes chegava e você se derretia. Eu tinha medo, Nuno, os seres humanos, em geral, não me parecem confiáveis. Trouxe você comigo para o Brasil quando precisei voltar. Nesses anos, vivemos muitos momentos de intimidade. Eu perdi o meu pai e a minha mãe. Você certamente tinha a sua perda que não consegui descobrir qual. Você era sim um cadinho triste; eu também. Nos passeios vigiados no jardim – ou você fugia para a casa de algum ser humano possivelmente perigoso – você bufava em protesto quando eu te pegava para entrar em casa. Bufava, bufava, rosnava, rosnava, mas jamais passou disso. Nunca! Nunca você me machucou, nem física nem emocionalmente. Como eu gostava de alisar o teu peito, subir a mão pelo pescoço e coçar o queixinho rechonchudo. Eu dizia que o peito era meu, o pescoço era meu, o queixinho era meu, as orelhas, o nariz cheio de pintas… Eu dizia que você era todo meu para justificar os amassos que te dava. E você ainda gostava da coceirinha no céu da boca. Ah, e as cosquinhas no dorso? Você ia relaxando, relaxando… Passar a mão na pança nem sempre, né? Li em algum lugar que os gatos não gostam, mas você às vezes deixava eu passar. Eu pedia para você deixar cortar as unhas e você deixava, tranquilo, um dedinho de cada vez sem reações bruscas. Recentemente você voltou ao meu colo, na nossa cama, na cadeira do escritório, e eu fiquei emocionada. Você era um gatão! Quase doze quilos!

Nuno, eu conversei com você – a gente conversava muito, até discutia – e expliquei que faria uma viagem curta, só dez dias. Pedi para você ficar calmo e comportado e garanti que voltaria, apesar de não se ter nenhuma garantia nesta vida. Mas… no dia 24 de dezembro, nesse dia esquisitamente mágico no mundo, telefonei para casa e soube que você tinha partido. Eu estava na casa ao lado de onde nos conhecemos e onde começou a nossa preciosa relação. Mergulhei num buraco negro, meu querido. Como assim, partiu? Por que? De que forma? Por que sem mim junto a você?… Voltei para casa sem vontade de voltar. Para quê, se você não estava lá? A casa está ainda mais silenciosa. A casa está ainda mais vazia. A casa está grande demais para a minha saudade. O teu corpinho está enterrado no jardim que você tanto gostava de passear, e de comer capim… Agora você pode andar por onde quiser que nada nem ninguém vai te fazer mal. Sinto falta de você, meu Nuno, em todos os lugares desta casa. Sinto falta do seu miado alto ao entrar no quarto exigindo a comida. Sinto falta de você todo esticado com as patinhas na pia a tentar alcançar o prato de comida. Como você era grande, meu amor. Como é grande o amor que tenho por você. Amor, meu Nuno, amor. Isso que me rasga a alma e dói é a agonia do amor que você plantou e cultivou em mim. Vou te amar para sempre, meu meninão. Muito, mas muito obrigada, meu Nuno, por todo o bem que você me fez nesses quase quatro anos de nossas vidas juntos. Eu sei que você partiria um dia, assim como eu também vou partir, mas o que além da saudade mais me dói é não estar aqui com você para agradecer e te ajudar na passagem. Eram só mais três dias, meu Nuno.

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