Por que tanto Portugal neste blog?
Um amigo manifestou uma preocupação -dele – com este blog. Alertou-me para a possibilidade de dizerem que me apresento como uma espécie de embaixadora de Portugal no Brasil. Ele justifica a preocupação pelo fato de haver tanto sobre o país lusitano na minha revista virtual ou eletrônica, tanto faz. Isso não me preocupa. Não me aborreceria nada representar Portugal no mundo, pelo contrário, seria uma imensa honra. Por vários motivos: a beleza natural de seus vales, montanhas, rios e rochedos e cidades à beira do Atlântico; a farta história de lutas, vitórias e derrotas, em ambos os resultados com bravura; o espírito aventureiro nos mares ” nunca d´antes navegados”; sua gente hospitaleira e – a meu ver – até ingênua demais, pois, de fato, a famosa “casa portuguesa com certeza”, caracterizada mais pela fartura de carinho existe, sendo por vezes abusada; e, mais que tudo, por ter sido criada metade lá, metade cá no Brasil.
Eu tinha apenas 6 meses quando Eu no meio das abóboras com Na borda do lago na casa de vovó No Brasil com o uniforme da escola
cheguei em Portugal na primeira vez alguém de prontidão atrás no Brasil relutando com tantos deveres
Tenho um amor imenso pela terra de meus avós (por parte de pai e mãe ) em especial pela aldeia de Ortigosa onde nasceu e cresceu meu pai que herdei e também passou a ser minha. Em quase 60 anos de vida, ao fazer as contas, por alto, cruzei o Atlântico, na rota Brasil-Portugal-Brasil ao menos 100 vezes, contando idas e voltas. Inclusive três vezes de navio. Menina, muita menina, cheguei a pensar que o mundo era assim: metade Brasil, metade Portugal. Assim eu dividia o espaço no mundo, entre a minha vidinha de escola, brincadeiras e mimos de ainda filha única ( por 6 anos ), no Brasil, e mais mimos além-mar, outras brincadeiras com minhas amiguinhas e amiguinhos portugueses, mais a total liberdade de entrar e sair das casas da aldeia e de me fartar do que me ofereciam. Entrava em todas as casas fosse convidada. Era a “brasileirinha” mais que bem disposta a servir e compartilhar ( usufruir seria mais exato ) dos hábitos e costumes portugueses. Aceitava mais os convites que partiam de casas muito humildes – as tais em que há fartura de carinho – mas onde também não havia miséria. Não raro, chegava a casa para almoçar ou jantar, bastante atrasada, por já haver almoçado e jantado. Meus país não chegavam a desaprovar, mas lembravam-me que algumas pessoas viviam com dificuldades e mais uma boca para comer podia ser um grande problema. No entanto, depois de avisada, deixavam-me por minha conta e risco. E eu continuei aceitando um prato de sopa com pão, uma sardinha assada com batata cozida – e pão… Entendi muito tempo depois, que gostava dos sorrisos que me davam, da alegria que aquelas pessoas humildes sentiam em ter nas suas casas muito simples a ” brasileirinha”.
Cheguei a estudar na escola de lá por um ano. Lembro-me do vexame de ser chamada à lousa ( o quadro negro ) para resolver uma conta de dividir por três. Naquele momento, senti o mesmo pânico ao encontrar a raiz quadrada anos depois. Fiquei envergonhada por não resolver o problema, mas a vergonha passou rápido. Bastou tocar a sineta que dava por encerrado o horário da aula e acontecia o melhor: a volta para casa com a malta a arrumar sarilhos. Traduzindo: a volta para casa com a turma de meninas e meninos, numa grande bagunça, a roubar frutas dos campos à beira do caminho. Entendíamos que estávamos roubando por ser mais excitante, mas nada nos aconteceria se nos pegassem fazendo a feira. Até hoje, pega-se frutas à vontade pelos caminhos. Eram duas infâncias: a do Brasil, com os deveres da escola, sempre acompanhada de um adulto, e a de Portugal, livre e sem deveres.
Um dia, não sei precisar quando, descobri que havia muito mais neste planeta que Brasil e Portugal. Foi um choque. Mais tarde, fui conhecer então o que havia além do Brasil e de Portugal, ao menos uma parte. Foi bom, gostei, mas não há hipótese, até hoje, de me lançar ao desconhecido no estrangeiro sem marcar ponto na chegada e na partida em Portugal, entre dias na aldeia e outros na amada Lisboa. Na aldeia, bastam-me as conversas gostosas, a deliciosa comida da prima Olinda e refazer os caminhos de terra que o progresso do asfalto deixou por cobrir. Em Lisboa, basta-me bater perna. Caminhar e caminhar, subir ao Chiado, pegar o Metro até o shopping Colombo, reservar tempo de sobra para comer muito bem e me deixar ficar sem pressa nos cafés.
Sinto falta das chegada à aldeia sempre com alguma música brasileira nova a tocar bem alto nos alto-falantes do carro. Em segundos, lá estavam todos e todas a me rodear de sorrisos, abraços e novidades. Papai e mamãe saiam da casa felizes por me ver e achavam muita graça desse petisco de carnaval que eu levava na bagagem. Agora, chego em silêncio. Arrasa-me a ausência de tantas pessoas que me amavam, protegiam e paparicavam. Hoje olho a nossa casa, onde antes até bailes papai patrocinava para a filhinha reunir a malta para mais uma borga – ou bagunça, e me pergunto para onde foram todos. Por que tudo tem que terminar?… Mas nem tudo terminou. Lá estão preciosas lembranças. E acontece em mim sentimentos alternados, de tristeza – pela falta que todos me fazem – e de alegria ao relembrar o tanto de bom que lá vivemos. Lá estão as cinzas de papai que eu mesma levei. Ele não me disse, mas tenho certeza que aprovou. Papai amava o Brasil e era grato ao país que o recebeu aos vinte anos de idade com o desafio de se tornar alguém na vida. Trabalhou muito, muito mesmo. Não ficou rico, mas venceu bonito, deu conta do recado. Mas… o coração estava na aldeia de Portugal. Por tudo isso, e por muito mais – que daria um livro de ficar de pé na prateleira da estante, de tão grosso – gosto de compartilhar o bem que me faz vez em quando lá ir. Recebem-me bem. Não pela cidadania portuguesa que tenho há mais ou menos 20 anos, mas porque é possível que percebam que também tenho um bom pedaço do meu coração a morar lá. Sinto-me em casa, até para discutir o pragmatismo português que em alguns momentos me perturba o romance com a terra.
– Por favor, o senhor sabe onde fica o Bacalhau de Molho? – pergunto ao motorista do taxi com o meu melhor sorriso.
– Quer saber se sei onde fica ou quer que a leve lá?… – é a resposta-pergunta.
Por segundos decido se o mando à merda ou se caio na risada.
– Quero que me leve lá. – digo controlando a risada.
E fomos em silêncio até a casa de fados onde fui ouvir Celeste Rodrigues, a irmã da maravilhosa Amália. E onde devorei um polvo a lagareiro inesquecível.
Esteves Alves, como eh bom ler suas cronicas, sinto-me em casa.
Quanta estória, quanta história, quantas memórias, quanto amor, quanto aconchego, quanta inocência, quanta vida e quanto tempo, que o tempo nao levou.. Continue a nos contar suas coisas, de lá e de alhures! Faz todo sentido!!!