MALDITA POLTRONA !!!!!

Nada de assaltante. Ao menos a porta tinha sido arrombada e, muito provavelmente, o bandido teria enchido Carlota de porrada. Ela nada tem em casa que compense o bandido se arriscar. Por mais que seja comum assaltar, por muito e por nada, há sempre a possibilidade de ser preso. Mas não aconteceu e Carlota continua presa à poltrona.  Já é quase meio-dia. Carlota nem costuma “acordar com as galinhas ” como dizem ser comum aos velhos – e velhas. Pelo contrário, se nada tem a fazer de dia, deixa-se entrar pela noite sem culpa. A tevê por assinatura há muito foi cortada dos gastos, mas, vez em quando, tem um ou outro filme que interessa. E lê.  Carlota lê muito. Dinheiro não deixou, mas o falecido marido deixou muitos livros. Dá graças a Deus por enxergar bem. Os óculos são um acessório facial totalmente integrado ao rosto enrugado. Usa desde os trinta anos. Aos 92 anos de idade, Carlota tem poucas certezas, está certa que cada vez sabe menos. Mas tem certeza que seria muito infeliz se não enxergasse, como aconteceu a uma amiga. Mais que cega, também seria surda. Quando tira os óculos, não enxerga, nem escuta. Graças aos óculos está vendo com detalhes a tintura descascada do teto.  Acordasse cedo, estaria com o estômago roncando de fome. Ainda não. E quando a fome chegar?… Carlota adormece, não percebe que alguém abre a porta do apartamento que dá para o corredor. A salvação está chegando. É a diarista que entra sorrateira para pegar o celular que esqueceu carregando na cozinha e lhe faz muita falta. Percebe que Carlota dorme. Acorda ou não acorda a patroa para dar um “olá”?