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As Malditas!… – cap. 01

INTRODUÇÃO

São muitas as teorias, nenhuma é ciência exata. Não sei o que me dá. Só sei que a sensação é arrasadora. É com certeza o limiar entre a lucidez e a loucura. Deus determinou: seja criado o ser vivente – e resistente – mais feio, horripilante, asqueroso, nojento e desprezível da face da Terra! … Se bem que, assim como ainda não conhecemos uma quantidade suficiente de planetas para saber se estamos sós nessa imensidão de Universo (o que me parece muita pretensão), também não sabemos se Elas existem em outras galáxias, com a mesma feiura e asco. Assim como, dizem, é possível que haja vida mais inteligente que a nossa (o que me parece bem fácil) é possível que em planetas mais evoluídos Elas também sejam mais… evoluídas. Quem sabe o criador as criou neste planetinha mais ou menos para nos testar? E, que Elas não nos ouçam, as criou também para pagarem sei lá eu o quê com vidinhas das mais miseráveis.

Algo muito importante. Vamos deixar combinado que em hipótese alguma daremos o nome à criatura, nem o popular nem o científico. Nós, os que temos pavor a ELAS, bem sabemos que basta mencionar a palavra maldita para ELA ou ELAS aparecerem. Eu escrevendo e você lendo, não vamos dar esse mole. Portanto, fique tranquilo. Vamos nos divertir com o nosso medo. Na hora é sempre a imagem de uma grande tragédia, mas o tempo passa e, muitas vezes, chega-se à tragicomédia; senão à comédia pura mesmo. Há histórias muito engraçadas. Depois que passam e quando acontecem com os outros.

Capítulo 01

Fui uma criança criada sem frescuras. Pés no chão, joelhos ralados… Não que meus pais me deixassem à solta, uma cachorrinha sem dono. A teoria de minha mãe era que eu precisava criar logo anticorpos para não me tornar uma criança sempre doente. Funcionou. Enfim, fui uma criança que simpatizou de imediato com os animais. Bichos e animais em geral. Gosto de quase todos.

Eu viajava com minha avó e o segundo marido dela – meu padrinho, que ora chamava de Vô, ora chamava de Dinho – para uma casa de fim de semana em Areal, na região serrana do Rio de Janeiro. Lá pelas tantas da noite, depois do jantar, vovô e vovó sentavam-se nas cadeiras de vime da varanda. Eu sentava-me no chão para ficar mais na altura do sapo. Pois é, um sapo! Chiquinho foi o nome que lhe demos. Não sei por que, me pareceu Chiquinho.

– Chiquinho!… Chiquinho!…

Era eu chamando o sapo assim que me acomodava no chão com vovô e vovó nas cadeiras como fieis guardiães da netinha. E lá vinha o Chiquinho.

– Ruap!…Ruap!…

Impossível pular de tão gordo. Então, Chiquinho se arrastava; ora uma pata à frente, ora outra, alternando as quatro. Antes de chamar pelo amiguinho da região serrana, eu caçava pelo menos meia dúzia de besouros para o jantar do Chiquinho. Besouros, cheios de pernas, com chifres, cascudos… Há de ter alguém já se arrepiando com os besouros cascudos. Eu não. Eu caçava os besouros com naturalidade só pensando na alegria do Chiquinho com o jantar garantido. Portanto, podemos eliminar o fato de o bicho ser cascudo para me dar nojo. Era um prazer ver Chiquinho esticar a língua fina, como um raio, e levar o besouro para dentro da boca. E assim foi, até que o tempo passou, a infância passou e, a conselho médico, vovó decidiu vender a casa da serra. Venderam a casa da serra e compraram uma casa de praia, no Recreio dos Bandeirantes, também no Rio de Janeiro. Não era certamente o mesmo sapo gordo, mas por lá também havia um Chiquinho, só que eu não lhe dava mais besouros. Em algum momento da vida entendi que a natureza deve se entender com a natureza. Se o Chiquinho da casa de praia queria besouros, ele que os pegasse. Havia o Chiquinho, aranhas parrudas agarradas à grandes teias na varanda da casa, pererecas, lagartixas, camaleões e muitas formigas. A caça noturna que vovô fazia aos formigueiros era de matar de inveja às Caçadas de Pedrinho. Ele ia à frente com uma lanterna e eu atrás, agarrada às calças dele. Medo nenhum. Meu avô era um homem alto, grandalhão. Vovó dizia ao nos ver juntos.

– Olha, lá vai o elefante e a pulga.

Caminhávamos muito até encontrar a boca do formigueiro. Naquela época, o Recreio dos Bandeirantes – e mesmo a Barra da Tijuca – era um amontoado de dunas. Vovô seguia a fila de formigas atarefadíssimas indo e voltando, das roseiras de vovó ao formigueiro. Vez por outra, o silêncio da caminhada no meio da noite era quebrado por um farfalhar na vegetação que cresce no terreno arenoso; um camaleão em fuga, ou uma cobra… Sempre em fuga. Um susto rápido, seguido de alívio. De certo não tínhamos medo, apenas cuidados com a possibilidade de serem bichos venenosos. Acuados, se defendem e atacam, é natural, é justo.

Quando descobríamos a entrada do formigueiro, vovô, sem qualquer piedade, derramava um remédio contra pragas e a farra das formigas acabava. Mas outros formigueiros fantásticos eram construídos habilidosamente pelas persistentes, organizadas e disciplinadas formigas. E lá íamos nós, nas deliciosas incursões noturnas, pé-ante-pé, guiados pelo facho de luz da poderosa lanterna no rastro do vai e vem incansável das formigas.

O ser humano é um animal interessante, é capaz de passar por uma metamorfose moral e social durante a vida. Alguns passam para melhor, outros para pior e outros apenas passam, sem que ao olhar da plateia ao longo da vida ou de uma análise exposta literariamente a esta altura, faça qualquer diferença. A caçada às formigas aconteceu na década de setenta do século XX. Neste momento, século XXI, estou aqui, mal sentada, percebendo as reclamações da minha coluna (embora tenha uma boa mesa e uma confortável cadeira bem ao lado e um escritório ainda mais confortável em outro cômodo), observando os passeios noturnos das formigas no chão branco do meu quarto. Há também as que se deliciam com os restos da ração dos gatos na cozinha. Os gatos ainda estão comendo e elas já estão à espreita. Ando pela casa a desviar das formigas. Esmago uma ou outra, mas a maioria escapa ilesa. Há algum tempo faço o que posso para poupar a vida também de insetos. As exceções são as lacraias, não por nojo, até porque são muito interessantes com tantas patas, mas porque a ferroada dói demais e porque ferroam aparentemente sem qualquer critério. A outra exceção são ELAS, por todo e qualquer motivo.

– Mas na sua casa tem lacraias? – alguém há de perguntar.

Moro numa casa construída num terreno arenoso. Essa é uma explicação para que lacraias entrem e saiam dos canos de água e esgoto, especialmente dos ralos dos banheiros, por apreciarem ambientes úmidos. A pessoa está tomando banho, num momento com mais o que fazer que olhar para o chão, a lacraia aciona os ferrões… Mas essas praguinhas rastejantes também se criam e atacam em apartamentos. Em um hotel na cidade de Macapá, fui mais que avisada para tomar cuidado com as lacraias nos banheiros (o que não impede que rastejem por distâncias maiores até outros cômodos) e com ELAS. Só que ELAS, na Amazônia, são de um tamanho inacreditável! Pior do que ELAS, são ELAS gigantes!… Mas isso fica para mais adiante. No momento, voltemos à casa de vovó no Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro, Brasil.

Em uma casa de praia, em meio a tanta areia, fechada de segundas a sextas-feiras, era natural encontrarmos … ELAS. Casa vazia a semana toda, espaço livre, nenhuma ameaça de pés, chinelos, vassouradas e generosos sprays de inseticida, enfim, tranquilidade e segurança para se reproduzirem, cuidarem das crianças, crescerem e se tornarem adolescentes, adultos e treinarem as asas para os primeiros voos. Ah, vovó maldizia as formigas que devoravam as preciosas roseiras e ELAS. Por certo ELAS não têm noção de tempo e dos dias da semana. Já deviam saber que nas sextas-feiras, no fim da tarde, os donos da casa chegavam. Fossem providas de alguma sagacidade, estariam preparadas. Mas, não. Os bandos corriam a se esconder e, daí em diante, era uma caçada. As mais próximas eram pisoteadas por vovó. Depois, na medida em que íamos entrando nos quartos, na cozinha e nos banheiros, aconteciam outros encontros terríveis. Sapos, pererecas, aranhas, lagartixas, camaleões, formigas e até uma ou outra cobra, vá lá, mas ELAS?!… Minhas reações eram escandalosas, mesmo sabendo que vovó ficava chateada.

– Para com isso que parece que é uma casa suja! Isto é uma casa de praia que fica fechada a semana toda!.. Mata-se e pronto!

Não, não era simples assim. Nadinha. Não sei exatamente em que momento começou a minha fobia. Tenho a desconfiança que foi em uma noite de verão. (continua)

 

2 thoughts on “As Malditas!… – cap. 01

  • Maria Claudia

    Saudades da casa do Recreio!!!!

  • Fernanda Esteves

    Saudades de todos nós.

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