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A história de Nuno – capítulo VII

Capítulo VII

Beijei minha mãe que tinha a atenção voltada para o Nuno. Saí pela casa à procura do Ronnie, o meu bichinho amado, companheiro, na altura, há doze anos. Agora , são quase dezesseis. Apertei muito o meu peludo querido. Abracei, amassei, beijei o nariz várias vezes… Eu estava cheia de saudades do meu bichinho companheiro. Entrei com o Ronnie no meu quarto para termos uma delicada conversa.

– Roninho, tia trouxe um companheiro pra você. Ele estava abandonado, passando fome… – contei com cuidado. – Vocês podem ser amiguinhos. Você era tão agarrado com o Dudu…

Dudu ( Eduardo Esteves ) viveu pouco tempo conosco nesta casa. Disse-me a veterinária que teve pancreatite. Estava ótimo, de repente começou a ficar parado, sem comer, até que foi internado e morreu em uma semana.

dudu e ronnie se embolando

Dudu e Ronnie embolados

Os bichos se percebem e os gatos, com a sensibilidade à flor do pelo, ainda mais. Eu havia lido que seria necessário um período de adaptação; uma apresentação lenta e cuidadosa. Isso foi muito difícil. O Ronnie queria ficar comigo – até pelo tempo em que ficamos separados; o Nuno precisava da minha atenção por ser tudo novo para ele. E a minha prioridade era cuidar da mamãe. Arrumei uma grande confusão para mim mesma. Pelas minhas pesquisas, Ronnie e Nuno deveriam ser mantidos próximos, mas sem se verem, por pelo menos duas semanas. Um deveria sentir o cheiro do outro, perceber a presença um do outro, mas não deviam ver um ao outro. A casa é grande e foi possível manter o Nuno no primeiro andar e o Ronnie no segundo onde fica o meu quarto.  Na teoria podia funcionar, na prática, não. No segundo dia os apresentei e compartilhei com São Francisco o desafio. Eu compartilhei, mas não tenho a mínima ideia se Chico se meteu nisso. Tenho para mim, que Chico apresenta certos bichos a certas pessoas e “lava as mãos” que nem Pôncio. O fato é que o encontro se deu e o estranhamento foi recíproco. Os dois só se acalmam nos momentos de lazer ao ar livre no jardim. É quando fico lá fora de olho nos dois enquanto eles andam para lá e para cá, comem capim… e Nuno dá um jeito de fugir.

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Nuno – o mais branco – e Ronnie                                             Nuno ainda magro e esbelto

no muro da casa.                                                                          se preparando para conhecer o condomínio.

 

Lá se vão três anos e se estranham até hoje. Penso que eles pensam que foram traídos. Ronnie, porque ficou sem me ver algum tempo. Com a minha volta, junto com o Nuno, imaginou que eu havia me engraçado com outro gato. Nuno, porque imaginou que seria só ele no pedaço e encontrou um gato com ares de dono da casa, até porque “antiguidade é posto”, ou deveria ser. Hoje em dia, antiguidade não passa de velhice, fim de linha, enfim… Às vezes penso que Nuno queria ficar comigo, mas lá, em Portugal, na aldeia, com liberdade para sair e entrar em casa quando lhe apetecesse. Aqui, no Rio, não dá. Apesar de ser um condomínio fechado, há ruas, carros, outros bichos… Eu tentei deixar Nuno mais à vontade, justamente entrando e saindo de casa quando quisesse, mas ouvia.

– O seu gato estava lá na minha cama… – foi um vizinho.

– Minha empregada deu um grito, corri para saber o motivo do grito… Era o seu gato deitado na cama dela. – foi uma vizinha.

– O seu gato esta fazendo cocô no meu jardim. A empregada já disse que não vai limpar cocô de bicho e ameaçou ir embora. – foi outra vizinha.

Um dia, Nuno chegou em casa muito machucado. Alguém deu uma surra nele. Foram três dias de internação numa clinica veterinária, mais quinze isolado num quarto com infecção urinária. Acabou a farra fora de casa. Dali em diante, os passeios ficaram restritos ao espaço do jardim – que não é tão pequeno – sob a minha supervisão. Mas, repito, Nuno constantemente dá um jeito de driblar a minha guarda. Basta eu piscar mais devagar. Quando ele quer só me mostrar que pode fugir. Ele sabe que não vou subir lá. Porque já tentei e não dá.

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Nuno no telhado da garagem

 

Isso já me deixa fula da vida. Xingo um bocado, chamo São Francisco, me pergunto onde eu estava com a cabeça para trazer o Nuno… Nas primeiras vezes em que Nuno subiu no telhado consegui convencê-lo a descer acenando com o pote da comida, até que ele decidiu ignorar a comida e explorar os telhados vizinhos. Aí, saio eu pelo condomínio a gritar.

  • Nuno!… Nuno!…. Cacete, NUNO!!!!!!…

Lá pelas tantas eu o tenho encontrado, sempre com a sensação de nunca mais o ver. Ele reaparece no telhado da garagem, ou está andando tranquilamente por uma das ruas do condomínio ou bisbilhotando o quintal da casa vizinha. Perdi a conta das vezes que entrei na casa da vizinha – com e sem permissão – para pegar o gato. O pior é quando ele resolve ficar debaixo de um carro. Fico eu ajoelhada nos paralelepípedos da rua, cheia de dor nos joelhos, implorando para ele sair. Não sai enquanto eu estiver de olho nele. Então, faço de conta que desisti … e ele sai. Aí, caminho disfarçadamente como quem não vai pega-lo… e o pego. Ele rosna, bufa… Eu rosno, bufo de volta. Volto eu carregando dez quilos de gato, com uma da mãos impedindo que as patas de trás me arranhem e a outra mão no peito do bicho evitando as patas da frente e a boca cheia de bons dentes. Dependendo de onde o encontro, o caminho de volta é longo e chego em casa com a coluna estropiada. Coloco Nuno dentro de casa.

  • Se não fugisse podia ficar mais tempo no jardim, mas como foge… Então, casa!…

Com Ronnie não tenho problemas. Ele mesmo decidiu se limitar ao espaço do jardim. Daí acontece do Nuno ficar preso em casa e o Ronnie no jardim à vontade. Não seria justo castigar o Ronnie pelas besteiras que o Nuno faz. Já basta eu ter acabado com a paz do meu bichinho trazendo para casa um gato gigante que resolve se esconder para assustar o velhinho e ainda pula em cima do velhinho que é a metade do tamanho dele.  Ronnie vive estressado com o Nuno. Ás vezes grita e sei que está me chamando, pedindo socorro. É Nuno. Ronnie quer entrar no meu quarto e Nuno está de prontidão na porta. Ronnie quer subir as escadas e Nuno está no caminho. Ronnie está fazendo as necessidades fisiológicas e Nuno interrompe, pula em cima.

  • Nuno, o tio Ronnie está velhinho… Não pula nele… NUNO!!!!!!… Deus do céu!!! Quase três anos juntos e não sossegam?!… Caramba, São Francisco, me ajuda aqui…

Tenho para mim que Chico acha graça. Ou nem está aí para o meu desassossego. Deve estar muito ocupado arranjando casa para outros Nunos.

Por mais que Nuno rosne e bufe, nunca me arranhou ou mordeu. Ao menos isso, porque nem de longe é o gato que me seduziu em Portugal. Entretanto, estranhamente, Nuno fez muita companhia para minha mãe.

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Nuno nos pés de mamãe

 

Nuno não chegava perto da minha cama ( atualmente deita-se na minha cama, mas não chega perto de mim ), mas dormiu com mamãe várias vezes. Minha irmã chegou a fazer graça.

– Aí, mãe… tem outro português, da mesma aldeia, na sua cama…

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Nuno na cama com mamãe                                                                         Nuno dormindo em cima de mamãe

Mamãe foi embora há pouco mais de um ano. Volta e meia encontro o Nuno deitado na porta do quarto dela como um cão de guarda. Não sei se sente falta dela no quarto, não sei se espera que ela volte… não sei. Não sei tantas coisas…

Nuno na porta do quarto da mãe

Nuno na porta do quarto de mamãe

 

A decepção do bicho é visível. O Nuno é um gato triste. Percebe-se. Ou por causa da vida enclausurada que leva no Brasil, ou porque sente falta de alguém com quem viveu… também não sei. Estive em Portugal no ano passado e decidi levar o Nuno de volta. Falei com a prima por telefone a ver se ela conseguia alguém que cuidasse bem dele lá na aldeia. Ela conseguiu uma pessoa do bem.

  • Olhe, se quiser mesmo, pode trazê-lo. – me disse a prima ao telefone.

Bem, que Nuno está morando comigo é fato. Neste momento em que conto a nossa história, ele está deitado na minha cama, à distância.

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Será que eu levei o Nuno de volta para Portugal e… trouxe de novo para o Brasil?

 

 

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