A história de Nuno – capítulo I
Esta é uma história com “h”. O que passo a narrar são fatos.
Capítulo I
Fui a Portugal sem correrias para resolver algumas questões importantes: levar as cinzas de meu pai para jogar no quintal que ele tanto amava e vender a casa e o café que ele também tanto amava. Eu estava muito triste. Havia deixado no Brasil minha mãe muito doente e meu gato Ronnie.
Assim que cheguei à aldeia, deixei as malas em casa e fui ao café, no primeiro andar da casa onde, antigamente, ficava o lagar para a produção de vinho. Quem tinha uma casa melhorzinha, tinha lagar para amassar as uvas, com os pés, e produzir vinho; a maioria para consumo próprio. Com as determinações do Mercado Comum Europeu, as uvas vão para cooperativas e são raros os lagares hoje em dia. Eu adorava amassar as uvas. Criança, uma noite papai me pegou no meio dos homens de cuecas no lagar. Eu estava me divertindo muito e os homens riam. Papai me tirou do lagar gentilmente e combinou uma noite só com mulheres para eu participar. Então, lá estava eu sentada à mesa do café, a recordar o passado e pronta para ouvir as novidades. E eis que surge um gatinho branco e amarelo, magrinho, a se esfregar nas minhas pernas.
– Olá!…
Meu coração ficou mais apertado porque eu estava com saudades do Ronnie, que, com certeza, sentia a minha ausência no Brasil. São parecidos, tanto que chamei o gatinho magro de Ronilda.
Achei que era fêmea por não visualizar as protuberâncias dos machos.
– De quem é o gatinho? – perguntei à minha prima.
– Olhe, apareceu agora. Não é daqui. – ela respondeu cheia de certeza.
– Ele está com fome… E não tenho nada pra dar. Comprei pão no mercadinho.
– Nunca vi este gato por aqui. – minha prima repetiu. – Alguém conhece este gato? – ela jogou a pergunta às meninas do café.
Ninguém conhecia. E ele se esfregando nas minhas pernas. Os gatos sabem em quem se esfregar.
– Vou pra casa, prima. Amanhã continuamos a prosa. – me despedi.
Subi a escada para a porta da casa e lá foi Ronilda comigo. Ái… como fechar a porta na cara da Ronilda?
– Espera que vou pegar pão. É só o que temos hoje.
Entrei em casa, peguei um pedaço de pão, piquei miudinho e levei para Ronilda que me esperava educada e pacientemente na varanda. Gatos não são de comer pão, mas a fome cria gostos. Ela comeu tudo. Estava faminta.
– Muito bem, vou entrar. Boa noite…
Entrei em casa e fechei a porta com o coração em pedaços, ainda mais miúdos que os pedacinhos de pão que dei a Ronilda. Eu tinha tanto o que pensar e sentir que nem foi difícil dar as costas a gata. Mas, no dia seguinte, assim que coloquei os olhos fora de casa, lá estava Ronilda e os miados de solicitação. Ela havia chegado para ficar. O que fazer? E quando eu fosse embora de volta para o Brasil?
Venho acompanhando com curiosidade esse blog. Nao havia feito nenhum comentário, ainda. Estava em fase de analise do mesmo e da maneira como a pessoa que o escreve. Hoje, porém, capitulei. O gatilho foi a história, com h mesmo, do gato português. Somada essa, a todas as outras coisas que a autora escreve, ou apresenta em muito bem cuidadas reportagens, fica, agora, mais facil dizer a que veio, enfim, esse blog. Veio, com leveza e fluidez , traços particulares da autora, propor entretenimento e informação, com muito boa vertente jornalistica, preenchendo uma lacuna nesse campo.Parece-me, inclusive, nao propositadamente, direcionado para um publico mais refinadamente pensante, decorrência natural da forma de ser da autora. Parabéns, Fernanda Esteves!
Agradeço a análise carinhosa. Gosto dos textos populares mas com elegância. Adorei o “refinado”, vou ver se me adapto a tanto.